domingo, janeiro 16, 2011

Depois de 6 anos, esse blog entra em recesso.

terça-feira, dezembro 21, 2010

Recife

Recife

Antigo parece a Lapa
Olinda Santa Tereza
Boa Viagem a orla
O Paiva é a Reserva
O trem da periferia ao centro
trazendo os trabalhadores
do trânsito infernal

Besteira andar pelas ruas
comparando uma cidade a outra
pessoas são sempre únicas como 
os lugares, e o que se vive,
até se compara, mas nada se iguala
a originalidade de tudo que surge
da lama, da manguetown.

sexta-feira, dezembro 10, 2010

Folha em branco

Tento escrever minha biografia na folha em branco. Minha história começa com outras histórias. Pelos acasos que levaram minha avó índia a encontrar meu avô português e caminhoneiro, ou pela história da minha outra bisavó e seus sete irmãos vindos de Maceió.

Tento voltar ao passado para redescobrir quem sou eu, para entrar em contato comigo novamente. Dessas vezes em que parece que perdeu-se de si mesmo no meio do caminho: “essa é minha história, eu vim desse lugar, esses são meus pais que me originaram e a soma de todos esses fatos sou eu”. Eu sou a minha história e o lugar de onde eu vim?

Percebo que qualquer tentativa, que comece no passado, de escrever a minha história, serve apenas para mostrar como a vida é repleta de acasos e talvez, a própria vida, seja um grande acaso. Afinal, porque entre milhares de espermatozóides fez-se um feto que sou eu? Não é tudo isso um grande acaso?

Volta a minha história: eu fui batizado e minha mãe me deu a opção de fazer ou não crisma. Também já fui várias vezes a Centros Espíritas na infância. Todos esses falam da reencarnação. Quero me ater aos fatos: as lembranças de minha vida começam quando eu tenho quatro anos. O que me formou até essa idade meu cérebro não guarda memória. Se por acaso eu tive outra vida, isso é ainda mais distante. E no momento em que eu morrer, toda a minha história vai embora e eu não lembrarei de mais nada. A morte pode ser uma outra consciência, mas não é mais essa, não mais a do momento presente e da convivência com as pessoas. Por isso, a vida mesmo, é a que acontece no momento presente. Não existe o futuro. O futuro é o presente. Eu posso sair da minha casa agora para comprar um pão e ninguém sabe o que pode acontecer. O acaso define tudo, as escolhas orientam o acaso, e a vida é o jogo do estar presente. Se eu não lembro da minha vida anterior e nem vou lembrar da minha morte, tudo o que eu tenho é esse momento, o momento do agora.

Apago tudo. A folha em branco é melhor do que qualquer palavra. A folha em branco está pronta e é a minha vida: passível de ser escrita e reescrita a qualquer momento.

terça-feira, agosto 31, 2010

Pensar com o coração

Einstein achava que a toda a fonte de energia se propagava continuamente. Para Einstein, “a natureza não joga dados”. Ele acreditava que tudo tinha um motivo de existir e poderia ser calculado: se a luz saí daqui, é porque ela vai chegar ali. Se algo existe tem que haver um motivo. As coisas não podem dar voltas e ter um comportamento imprevisível.

Acredita-se hoje é que toda a fonte de energia não se propaga dessa maneira, e sim como impulso. É fácil entender: por mais que pareça que a luz é de fato contínua, pois chega aos nossos olhos desta maneira, a fonte de energia a propaga por micros impulsos. É como o coração: por mais que o sangue pareça correr de maneira contínua, o coração dá a energia na forma de batidas.

Dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço. Essa é uma regra básica da física. Mas essa perspectiva do “eu” que não se mistura pode mudar. O que se percebe agora é que o eu existe, mas dentro de algo maior: o nós. Todos nós fazemos parte de uma grande teia da vida, de uma mesma origem, e com o mesmo fim.

Para Einstein, a trajetória de qualquer átomo tem que ser calculada. Se ele estava em um ponto e agora está em outro, é porque se moveu e isso deve ser calculado. O que tem se descoberto agora é que as coisas são bem mais complexas do que isso. A trajetória de um átomo nem sempre é previsível.

Cientistas fizeram a seguinte experiência em Estocolmo: isolaram dois laboratórios distantes, de forma que toda e qualquer partícula não pudesse se movimentar para fora do laboratório. No laboratório 1, ficou apenas uma pessoa. No 2, um grupo de pessoas. Todos os participantes tiveram sua atividade cerebral monitoradas. Em determinado momento, um cientista pede para o participante do laboratório 1 pensar em uma pessoa do laboratório 2. No mesmo momento, a pessoa que foi pensada, no 2, teve sua atividade cerebral modificada. Apesar do isolamento, eles se influenciaram.

Isso não é um texto científico. Fica dando voltas para tentar entender porque, mesmo tão longe, eu continuo pensando em você de forma contínua, sabendo que essa energia que vem do peito bate em forma de impulso e, imaginando que talvez você compartilhe desse mesmo sentimento.

quinta-feira, agosto 19, 2010

Fogueira

O sol estava agressivo, como costuma ser no verão do Rio de Janeiro. A cidade estava em chamas com o calor de rachar. A rua estava queimando e, em uma casa perto da linha do trem, um homem evitava sair.
 
Fazia tempo que a polícia estava a procura do gerente de uma das comunidades ao lado da Avenida Brasil. Alguns dias antes houve um roubo de carga perto do local, e o serviço de inteligência da polícia apontava André como mandante da ação.

Os dias por aqui passam lentos. Mas o calor faz  tudo parecer ainda mais devagar.

André já estava cansando daquela vida. Fazia dois anos que o antigo chefe e amigo morrera depois de uma incursão da polícia. Ele assumiu o controle da venda das drogas. Na época, atingir o posto de dono da favela era motivo de orgulho: um sonho de criança. Mas agora, André já tomava o desencanto pelo status que carregava. Além de ter que fugir da polícia, tratar dos negócios, prestar contas ao patrão, pagar os empregados, ele ainda tinha que decidir sobre todos os problemas da comunidade. E decidir sobre briga de família é chato pra caralho.

André era filho de um ex dono da favela, que por sua vez era filho de um famoso bandido da década de 40. A anos a vida da família era sustentada pelo crime. O filho de André nascera a pouco tempo.

Ao meio dia o calor ficou insuportável. Saiu e aproveitou para resolver alguns problemas. Foi a sua sorte.

Ao meio dia e quinze o BOPE entrou pelo lado da mata. Avançaram pela rua paralela à principal e quando os primeiros fogos foram disparados, os soldados já estavam perto da porta da casa de André. Ao som dos  fogos, os seguranças do tráfico bateram em retirada enquanto o chefe corria para um dos seus esconderijos.

Os soldados do BOPE também não estavam de bom humor. Provavelmente passaram a manhã inteira esperando o melhor momento para a ação, embaixo do mesmo sol escaldante que maltratavam os cariocas de todos os bairros. Eles tinham certeza que encontrariam André no local, mas encontraram apenas a mulher e o filho. Reviraram a casa e agrediram a esposa, exigindo saber onde ele estava. Os policiais não acharam nada e nem conseguiram nenhuma informação. Tiveram de ir embora, agora pela rua principal, deixando uma casa destruída, uma mulher ferida e um bebê chorando.

Fazia pouco tempo que ele comprou aquela casa. Os policiais ainda não podiam saber exatamente onde era o local onde ele passara a residir com a mulher e o filho, trocando a luxuosa casa que outrora abrigava os donos da comunidade, para uma casinha humilde e discreta nos fundos da favela. A revolta pelo ocorrido era grande. Ainda mais porque ele tinha um contato dentro da polícia e deveria ter sido avisado da ação.

Foi o contato que ligou pedindo desculpas. Disse que não soube do planejamento dentro da corporação pois foi tudo combinado com rapidez e descrição. Sabendo que André estava bem, o informante "xisnoveou" o X9.

André caminhava com os empregados pela comunidade. Sua mulher estava sendo cuidada por uma enfermeira vizinha deles. O sol começava a se pôr. Na rua, um garoto de 17 anos foi pego pela gola da camisa. O informante avisou que havia sido ele quem dedurou a casa, em troca de um celular e cem reais.

As leis do asfalto são diferentes das leis da comunidade. Assim como as brigas de família são resolvidas com uma decisão de André, todos os outros problemas também o são. E dependendo da gravidade, a punição pode ser severa. No caso desse garoto, aconteceu o que sempre acontece com quem dedura o chefe de uma comunidade: morreu queimado na fogueira, com os tênis novos recém-comprados, perto do rio, sem direito a ser enterrado.

O sol se pôs totalmente. André voltou para casa. Os sentinelas voltaram aos seus postos. Mas o calor ainda estava de rachar.

segunda-feira, agosto 02, 2010

Caminhos da Brasil

Na véspera do fim de semana, a cidade fica um inferno. Apesar de ter saído de casa com uma hora de antecedência, o trânsito me fez chegar com dez minutos de atraso ao ponto de encontro. O almoço ainda remexia na minha barriga e às vezes eu tinha a impressão de que a qualquer momento a comida ia voltar por aonde veio.

Entrei no carro e partimos rumo a uma das muitas ruas paralelas à Avenida Brasil. Depois de algum tempo entramos em uma delas. No Rio é assim: a Avenida imensa e o trânsito fervendo. Um mundo onde parecem existir somente carros, ônibus, suor e engarrafamento. Mas é só virar uma rua e tudo muda: crianças, homens e algumas boas mulheres de shortinho caminham de um lado para o outro. Se eu fosse um jornalista sem noção, talvez eu descrevesse essa virada de esquina como a entrada para um portal onde se revela um novo mundo, repleto de coisas desconhecidas a se desbravar. Mas isso seria uma irresponsabilidade. Não tem nada de mundo novo nisso. Aqui é somente um dos muitos lugares que adormece todos os dias sobre a panela de pressão que é a cidade do Rio de Janeiro.

Subo a rua a fim de encontrar o nosso possível entrevistado e conhecer sua casa. Passo por uma praça onde dezenas de crianças brincam em um parque de diversões improvisado. Muitas pessoas na rua: algumas voltam do trabalho, outros se preparam para ir ao baile funk da noite. Ninguém me olha diferente.

Na volta da casa do entrevistado fazemos um caminho diferente. Andamos e paramos em um beco semi-escuro, onde a luz de um poste cortava parte da rua, deixando a outra parte no escuro. E era ali que estavam dezenas de pessoas aglomeradas, com latas de refrigerante e isqueiro na mão. O figurino na maioria dos casos era de cor escura. A aparência é de pobreza e velhice. E o cheiro de coisa podre.

Em São Paulo, os traficantes ganhavam dinheiro ao custo da morte de muitas pessoas em curto espaço de tempo. Os do Rio não importaram a idéia e proibiram a venda na cidade. Mas agora a droga é vendida por uma facção. Em todas as outras a venda continua proibida.

Na volta, ainda passamos por outro local, agora de carro. Era ao lado de uma rua movimentada, com muitas mães voltando para a casa com seus filhos, e dezenas de jovens consumindo a droga em plena rua. O olhar frenético, a baixa idade dos usuários e as muitas mães andando na rua são uma imagem que fica incomodando na cabeça.

O carro e nós parados diante de uma situação que remete ao caos. Um jovem, que acredito que estava sobe o feito da droga, aproxima-se do nosso carro, ele olha com profundidade e tristeza nos nossos olhos. Percebo que na sua camisa tem algo escrito que me chama a atenção: “Jesus te ama”.

A primeira é engatada no carro a partimos de volta para as nossas casas. Olho pelo vidro traseiro do carro e o jovem desaparece no longo beco escuro...

(escrito com a colaboração de Luciano Vidigal).

quinta-feira, julho 08, 2010

Sozinha

Ela andava sozinha
Não anda mais:
é minha.

segunda-feira, junho 28, 2010

No meio de um caminho

No meio do caminho tinha uma pedra
uma pedra ficou no meio do caminho.
Como pode uma simples pedra,
transforma-se em um abismo.

Nunca vou esquecer da pedra
que ficou no meio do caminho.
Tinha uma pedra no meio do caminho,
onde agora existe um abismo.

Transposto esse obstáculo,
só se pode andar pra frente.

sábado, junho 05, 2010

Recortes de um fim de mundo 4 - Bunker

Quando Lúcio viu Matrix pela primeira vez, tinha quinze anos. Quando Lúcio viu Matrix pela décima segunda vez, também tinha quinze anos. E desde então, não pensou em outra coisa. Por sua determinação, talvez o fim do mundo tenha chegado mais cedo para ele do que para as outras pessoas.
Lúcio morava com a mãe. O porão da casa era um lugar velho e fedorento, que se dedicou a arrumar por alguns meses. Não se sabe ao certo quanto tempo levou para arrumar tudo. E não se sabe ao certo em quanto tempo Lúcio mudou seu quarto para aquele lugar úmido e escuro, que sua mãe, sem sucesso, pedia tanto para ele abandonar.
Não se sabe ao certo como ele conseguiu traçar seu plano. Os dados desta época ainda são muito imprecisos. Sabe se apenas que Lúcio ficou trancafiado no porão por duas semanas, sem falar com ninguém, só se alimentando do que tinha guardado lá dentro. Ele não abriu a porta nem com as insistentes investidas da mãe. Nem mesmo quando as goteiras iam tornando-se insuportáveis. E quando por fim terminou a sua missão, abriu a porta e foi engolido pela enchente.

quinta-feira, maio 20, 2010

Deselegância

Ficou engasgada
a refeição que fiz aqui
e agora preciso
cuspir no prato em que comi
.

quarta-feira, maio 12, 2010

Brasília

No meio do cerrado
o sonho virou concreto
o racionalismo virou cidade
o país virou nação.

Criaram-se belos arcos
lotaram de obras de arte
mas nada nessa cidade
toca meu coração.

terça-feira, maio 04, 2010

Ibitipoca

A ponta do raio toca
seu solo em uma
cidade quase perdida
no meio de tanta exuberância
natural. O raio desliza
sobre a pele da terra
úmida de suas cachoeiras
que jorram água, água,
águas, águas, águas...

Os raios são como viajantes
que iluminam ou destroem essa
cidade, enquanto a lua
ilumina os caminhos das mulheres
que à noite caçam os forasteiros
como lobos-guará em busca
de qualquer comida
.

quarta-feira, abril 28, 2010

Recortes de um fim de mundo 3 - Cárcere

Bruce passou a tarde chorando deitado na cama. A raiva já havia diminuído, transformando-se em uma dor pulsante que se espalhava do peito para a cabeça e extremidades do corpo. Bruce era puro tédio e dor impedido de sair de casa pela chuva. Ficar em casa era a proteção para toda a cidade.
Dias antes Bruce ouvira verdades inexoráveis que o marcariam para sempre. Isso foi mais ou menos na mesma época em que a nuvem tocou a ponta do maior arranha-céu.
Lá fora a chuva granizenta destruía o telhado de algumas casas. Ao lado do prédio de Bruce, a terra desceu como cachoeira. O térreo do prédio havia desaparecido sob a lama. Nos bairros vizinhos, ruas e avenidas cobertas de água. E por toda a cidade pessoas gritavam por socorro fazendo um eco de dor.
Mas Bruce não viu nada disso. Não viu a terra e nem ouviu nada. E enquanto tudo a volta desaparecia, Bruce, do alto de sua cobertura, viu a chuva e achou que Deus compartilhava a sua dor.

sexta-feira, abril 16, 2010

Recortes de um fim de mundo 2 - Exílio

O tédio de ver o sol nascer quadrado foi substituído pelo temor de vê-lo encoberto durante dias. A cela ficava cada vez mais fria, e os prisioneiros que outrora batiam nas grades e gritavam, agora deitavam gélidos e famintos pelos cantos do pequeno espaço que lhe cabiam. Na cela de número 7, o corpo franzino de um deles (e que até ontem maldizia a sociedade por ser inocente) começava a apodrecer.
Quando a nuvem baixou de vez, estavam certos de que morreriam de fome, esquecidos. Fazia dias que ninguém aparecia por lá. Mas estavam errados. Seguido à nuvem veio a chuva que durou sete dias ininterruptos, causando destruição por toda a cidade. Mas eles não viram isso. Não viram destruição e não ouviram gritos. Morreram afogados no primeiro dia da enchente.

quinta-feira, março 25, 2010

Recortes de um fim de mundo - Fantasma

A nuvem já pairava no céu fazia uma semana, quando a coloração acinzentada transformou-se em um negro espesso. A cidade caminhava apreensiva, tensa, torta. Mas caminhava. A cidade nunca deixa de caminhar, não importa o que aconteça. Aquela nuvem antes cinza agora negra também caminhava e, pouco a pouco, dominava o céu e os coraçãos dos moradores. A vida continuava com o peso da nuvem nas costas, no rosto, no peito. O ar tornou-se denso, a respiração complicava. Mas a vida em terra continuava. Os vermes, os cachorros, as pessoas, todos caminhavam. Menos os velhos, que ficaram na janela, comentando sobre o tempo ruim. A nuvem foi baixando aos poucos. Demorou um dia inteiro para descer. Cobriu as frestas do sol, o tampo do arranha-céu, as pequenas casas da vila e, quando todos pensavam que ela passaria, ela cobriu a cidade para sempre.