O sol estava agressivo, como costuma ser no verão do Rio de Janeiro. A cidade estava em chamas com o calor de rachar. A rua estava queimando e, em uma casa perto da linha do trem, um homem evitava sair.
Fazia tempo que a polícia estava a procura do gerente de uma das comunidades ao lado da Avenida Brasil. Alguns dias antes houve um roubo de carga perto do local, e o serviço de inteligência da polícia apontava André como mandante da ação.
Os dias por aqui passam lentos. Mas o calor faz tudo parecer ainda mais devagar.
André já estava cansando daquela vida. Fazia dois anos que o antigo chefe e amigo morrera depois de uma incursão da polícia. Ele assumiu o controle da venda das drogas. Na época, atingir o posto de dono da favela era motivo de orgulho: um sonho de criança. Mas agora, André já tomava o desencanto pelo status que carregava. Além de ter que fugir da polícia, tratar dos negócios, prestar contas ao patrão, pagar os empregados, ele ainda tinha que decidir sobre todos os problemas da comunidade. E decidir sobre briga de família é chato pra caralho.
André era filho de um ex dono da favela, que por sua vez era filho de um famoso bandido da década de 40. A anos a vida da família era sustentada pelo crime. O filho de André nascera a pouco tempo.
Ao meio dia o calor ficou insuportável. Saiu e aproveitou para resolver alguns problemas. Foi a sua sorte.
Ao meio dia e quinze o BOPE entrou pelo lado da mata. Avançaram pela rua paralela à principal e quando os primeiros fogos foram disparados, os soldados já estavam perto da porta da casa de André. Ao som dos fogos, os seguranças do tráfico bateram em retirada enquanto o chefe corria para um dos seus esconderijos.
Os soldados do BOPE também não estavam de bom humor. Provavelmente passaram a manhã inteira esperando o melhor momento para a ação, embaixo do mesmo sol escaldante que maltratavam os cariocas de todos os bairros. Eles tinham certeza que encontrariam André no local, mas encontraram apenas a mulher e o filho. Reviraram a casa e agrediram a esposa, exigindo saber onde ele estava. Os policiais não acharam nada e nem conseguiram nenhuma informação. Tiveram de ir embora, agora pela rua principal, deixando uma casa destruída, uma mulher ferida e um bebê chorando.
Fazia pouco tempo que ele comprou aquela casa. Os policiais ainda não podiam saber exatamente onde era o local onde ele passara a residir com a mulher e o filho, trocando a luxuosa casa que outrora abrigava os donos da comunidade, para uma casinha humilde e discreta nos fundos da favela. A revolta pelo ocorrido era grande. Ainda mais porque ele tinha um contato dentro da polícia e deveria ter sido avisado da ação.
Foi o contato que ligou pedindo desculpas. Disse que não soube do planejamento dentro da corporação pois foi tudo combinado com rapidez e descrição. Sabendo que André estava bem, o informante "xisnoveou" o X9.
André caminhava com os empregados pela comunidade. Sua mulher estava sendo cuidada por uma enfermeira vizinha deles. O sol começava a se pôr. Na rua, um garoto de 17 anos foi pego pela gola da camisa. O informante avisou que havia sido ele quem dedurou a casa, em troca de um celular e cem reais.
As leis do asfalto são diferentes das leis da comunidade. Assim como as brigas de família são resolvidas com uma decisão de André, todos os outros problemas também o são. E dependendo da gravidade, a punição pode ser severa. No caso desse garoto, aconteceu o que sempre acontece com quem dedura o chefe de uma comunidade: morreu queimado na fogueira, com os tênis novos recém-comprados, perto do rio, sem direito a ser enterrado.
O sol se pôs totalmente. André voltou para casa. Os sentinelas voltaram aos seus postos. Mas o calor ainda estava de rachar.