domingo, julho 26, 2009

Epicurismo e Hedonismo

A maior afinidade entre Lucas e Claúdio era a admiração pelas mulheres. E não era pouca coisa: ambos eram capazes de enfrentar qualquer intempérie por um amor: desde ir do Leme a Belford Roxo atrás de uma pequena até casar após 2 semanas de namoro - para 2 meses depois dar-se conta do fato. Quando se apaixonavam, era para valer: moviam o mundo para ter o ser admirado.

A principal diferença entre os dois era o senso de responsabilidade pelo que cativavam. Enquanto Claúdio preocupava-se muito com suas pretendentes: mandava flores, ligava no dia seguinte, e nunca iniciava um namoro sem terminar outro, Lucas era diferente: capaz de administrar até 5 mulheres de uma vez, sempre misturava amores e dispensava com a mesma facilidade que conquistava e adentrava novos territórios.

Claúdio viveu muito e aprendeu com todas as suas mulheres. De todas, sabia de cor e salteado todo o percurso dos corpos e todas as nuâncias de humores que elas poderiam ter. Sabia até o dia da TPM, quando procurava falar menos e ouvir mais. Lucas também amou muito, e fudeu muito também. Claúdio gostava sempre de começar o sexo admirando o corpo da amada, para depois oferecer uma chupada gostosa. Lucas preferia se colocar diante do espelho - improvisado na parede do quarto dele - e já começar metendo, e forte.

Claúdio ficou velho, casou e teve filhos com duas mulheres diferentes. A ex, Martha, sempre aparece no almoço do dia 25 de dezembro.

Lucas também ficou velho. Não teve filhos e comprou uma Land Rover, que quebrou na véspera de um Natal na volta de Friburgo, na altura de Cachoeira de Macacu. Desceu do carro e chamou a assistência Land, que deu um prazo de uma hora para chegar: o tempo exato de comer algo e tomar uma caipirinha. Antes de pedir no bar mais próximo, viu uma mulher o chamar e entrar no matagal. Lucas lembrou da sua infância no bosque do sítio da família e adentrou a mata. Caminhou por 15 minutos, até encontrar a mulher sentada em um platô onde se via uma enorme queda d'água e uma casa. Ela entrou primeiro. Lucas a seguiu.

Quando entrou, viu sentada no sofá a sua primeira namorada: aquela que o acompanhou durante muitos passeios no bosque. Estava um pouco mais gorda e sem o brilho nos olhos que ele tanto gostava, mas nada que o impedisse de ainda ver alguma beleza naquele rosto. Ao lado, estava sua atual ex, toda de preto. Da cozinha apareceu uma mulher que ele achou o rosto um pouco familiar, até lembrar que ela foi sua companheira durante todo o verão de 1992, quando ele passou as férias em Arraial do Cabo e prometeu ligar para ela na volta. Não ligou. Da entrada da porta, veio Jéssica, que namorou durante 2 anos. Terminaram com a cena que ficou na lembrança de todos os vizinhos do Bairro Peixoto, até hoje comentada pelo porteiro Raimundo: ele, na calçada, com as roupas espalhadas no chão, ela, terminando de jogar a última cueca velha pela janela, e Digo, o mendigo da praça, sem saber se consolava Lucas ou pegava alguma coisa. De repente, de todos os cantos da casa, Lucas viu sair todas as mulheres da sua vida. Eram muitas, que encheram a casa e parte do jardim. Elas o olharam. Para algumas com saudades, para outras com desprezo, Lucas sorriu.

Elas riram da cara dele, muito alto - algumas com mais vontade que outras. Sem dar tempo dele esboçar qualquer tipo de reação, agarram-no pelo pescoço e o devoraram, com muito gosto, fazendo uma enorme algazarra. Rasgaram sua carne e se divertiram com a sua cabeça. Quando a carne acabou, jogaram um a um os ossos na enorme cachoeira, cantando e dançando a cada arremesso ao horizonte sem fim. Quando o último osso foi levado pela água, calaram-se todas, limparam toda a casa em silêncio e foram embora.

Epílogo:

A assistência Land até consertou o carro, mas teve que devolvê-lo para Claúdio, advogado de Lucas e amigo mais próximo, já que Lucas não tinha mais pai nem mãe e não constituiu família. Mesmo passado tanto tempo, Claúdio se pergunta até hoje o que de fato aconteceu com o seu amigo.