sexta-feira, julho 22, 2005

HENFIL DO BRASIL

raoni seixas

Aconteceu no Centro Cultural Banco do Brasil a primeira grande exposição sobre a carreira de Henfil, após dezessete anos de sua morte. SALVE! O CCBB já merece palmas pela iniciativa de organizar uma retrospectiva da obra de um dos maiores cartunistas brasileiros.

Sob o olhar de uma imensa Graúna, estavam reunidos todos os personagens de Henfil: a turma da caatinga do Capitão Zeferino; os Fradinhos; Ubaldo: o paranóico – criado na noite em que Wladimir Herzog foi morto; Cabôco Mamadô, que enterrava os que não se posicionavam contra o regime militar; o Orelhão; o Preto que ri e outros. Destaque também aos personagens que fizeram sucesso nas páginas de esporte e se tornaram símbolos das torcidas cariocas: o Bacalhau, Pó de Arroz e o Urubu. Tudo em paredes brancas, realçando ainda mais os traços do autor, exatamente como ocorria em seus quadrinhos.

A exposição relacionou, quase didaticamente, o momento em que os quadrinhos foram publicados ao contexto político em que o país vivia. Apesar das obras serem influenciadas diretamente pela ditadura, tanto na escolha do discurso quanto no processo criativo, visto que o autor se autocensurava para impedir o veto posterior à obra, que poderia ser considerada subversiva pelo sistema, considerar os quadrinhos de Henfil apenas por esse ponto de vista é ignorar que a sua temática é atemporal: as contradições sociais brasileiras expressam, até hoje, as grandes angústias nacionais.

O processo de repressão cultural estimulava a produção do artista e o humor, muitas vezes grotesco, denunciava as contradições do sistema sócio-econômico a fim de propiciar reflexões. O riso acontece a partir da compreensão crítica da obra. O humor se dá pela reversão das expectativas, ou seja, na imprevisibilidade dos atos dos personagens diante das situações em que estavam inseridos.

Os quadrinhos de Henfil muito podem contribuir com a discussão virtual que ocorreu no grupo de teoria do teatro (teoriadoteatro@yahoogrupos.com.br) no primeiro semestre desse ano: o tema fundamental da obra é sempre político, sem no entanto ser didático ou panfletário, afirmando uma posição crítica sobre os acontecimentos imediatos, sem no entanto “levantar uma bandeira”. Por meio de metáforas e situações tragicômicas, constrói-se uma linguagem que reflete diversas camadas sociais: os diversos personagens e seus contrastes sociais. O conteúdo integra-se à forma, pois a estética subverte a lógica de produção, não respeitando o padrão dos quadrinhos americanos, que ganhavam mais destaque nos jornais por serem mais baratos do que a produção nacional (no exato momento em que a economia nacional se abria ainda mais ao capital estrangeiro). Ia além do formato de três quadros horizontal como necessidade para o desenvolvimento da história, opção pessoal e original. O traço extremamente econômico e expressivo realça o conflito da história:

“O branco é meu cenário.(...)O nada é meu cenário(...)O cenário está subtendido.(...)O conflito em minhas historinhas não é com a natureza (como no Pato Donald, Fantasma) mas sim entre os homens. (...) Um branco enorme com bonequinhos bem pequenos é para dar a visão da solidão, do esmagamento às vezes, do espírito sonhador, da distância dos personagens. Já o boneco ocupando o espaço todo, sem branco, deve dar uma demonstração de força, de close, de centralização da preocupação dentro dele.”

(Henfil - Fala, leitor! Fradim 13: pp 46-46, outubro de 1976)

Lembrei da encenação de Hamlet, do Peter Brook, apresentada no Teatro Carlos Gomes, em que não há cenários, mas apenas objetos de cena que, quando estão presentes, parecem estar vivos e compondo a cena com a mesma importância que o ator. Mas o ponto fundamental do conflito é o ator, o ser humano; no caso, o personagem da história em quadrinho.

Fazendo uma retrospectiva da obra do artista, a exposição cita muito pouco a vida pessoal, comentando um ou outro fato como referência aos desenhos, como por exemplo: o engajamento na luta contra a ditadura, a favor das Diretas já e a esperança na criação do Partido dos Trabalhadores.

Henrique de Souza Filho tinha dois irmãos: o músico Chico Mário e o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho. Os três irmãos, hemofílicos, morreram por causa do vírus HIV, contraídos em transfusão de sangue, vítimas do descaso político de um sistema de saúde com a população brasileira. Henfil faleceu em decorrência da doença no auge da sua carreira, quando conquistou espaço nos principais jornais do país, ao fim da ditadura que tanto combateu.

"Idiotas, já conheci milhares. Talentos, muitos. Grandes talentos, poucos. Gênios, só dois: Garrincha e Henfil". (Jaguar).

"Quando eu faço um desenho, eu não tenho a intenção que as pessoas riam.
A intenção é de abrir, e de tirar o escuro das coisas" (Henfil)


BIBLIOGRAFIA

Henfil. Fradim. Rio de janeiro, Codecri:1/25, 1973-1980

Rozeny Silva Seixas. Morte e Vida Zeferino, Editora do Autor.

Luiz Fernando Vianna, Reportagem “Exposição de Henfil ‘atualiza’ tragédias brasileiras” - 19/04/2005 Folha de São Paulo
Pedro Henrique Neves, Reportagem “Antes tarde do que nunca”, Tribuna da Imprensa. 16/04/2005

Maria da Conceição Francisca Pires. “Preparar, apontar, humor neles!” Revista Nossa história ano 2 número 20, editada com o conselho de pesquisa da Biblioteca Nacional.


2 comentários:

  1. Hahaha! Valeu Político!

    Esse Henfil aí é mó esquerdinha! Tô fora!

    E o outro aí que disse que só conheceu dois gênios na vida, podia ter sido meu amigo e ter conhecido três.

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  2. mUITO LEGAL O TEXTO rAONI... TÁ ESCREVENDO BEM!! Bjs
    Raíssa

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