terça-feira, novembro 14, 2006

"Os problemas de Fausto não são apenas seus: eles dramatizam tensões mais amplas, que agitaram todas as sociedades européias nos anos que antecedem a Revolução Francesa e a Revolução Industrial. A divisão social do trabalho na Europa moderna, da Renascença e da Reforma ao tempo do próprio Goethe, produziu uma vasta classe de produtores da cultura e idéias, relativamente independentes. Esses especialistas em artes e ciências, leis e filosofia produziram, ao longo de três séculos uma brilhante e dinâmica cultura moderna. Por outro lado, essa mesma divisão do trabalho, que propiciou a existência e o desenvolvimento dessa cultura moderna, manteve inacessíveis ao mundo em redor suas novas descobertas e perspectivas, seu vigor e fecundidade.
(...)
A cisão por mim descrita na figura do Fausto goethiano ocorre em toda a sociedade européia e será uma das fontes básicas do Romantismo internacional. Mas tem uma ressonância especial em países social, econômica e politicamente “subdesenvolvidos”. Os intelectuais alemães no tempo de Goethe foram os primeiros a ver as coisas desse modo , comparando a Alemanha com a Inglaterra e a França , e com a América em processo de expansão. Essa identidade “subdesenvolvida” foi às vezes fonte de vergonha (como no conservadorismo romântico alemão), fonte de orgulho; muitas vezes uma volátil mistura de ambas. Essa mistura vai acontecer em seguida na Rússia do século XIX , caso que examinaremos em detalhes mais adiante. No século XX, os intelectuais do Terceiro Mundo, portadores da cultura de vanguarda em sociedades atrasadas, experimentaram a cisão fáustica com invulgar intensidade. Sua angustia interior freqüentemente inspirou visões , ações e criações revolucionárias, como acontecerá a Fausto no final da segunda parte da tragédia goethiana. Com a mesma freqüência, porém , ela tem conduzido apenas às sombrias alamedas da futilidade e do desespero, tal como acontece ao Fausto pioneiro, nas solitárias profundezas da sua noite."

Tudo que é sólido desmancha no ar
A aventura da modernidade
Marshall Berman

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