sexta-feira, julho 08, 2005

ESBOÇO PROJETO ATORIAL II
Artigo em progresso


raoni seixas
Há uma crise no ensino universitário de teatro como na arte. A instituição pública de ensino superior da arte talha seu estudante já que o modelo utilizado predominantemente é similar ao do estudo da engenharia ou da medicina, onde toda a liberdade está nas mãos do professor (ele mesmo submetido ao sistema) e nenhuma ao alcance do aluno, tutelado do inicio ao fim. Se algum artista ligado ao ensino universitário protagoniza papel de destaque no modo de pensar e fazer arte, este provém menos da instituição do que do próprio artista. Não é evidente o ganho à instituição de ensino superior e nem que a transformação do estudante promissor em artista atuante ocorra em virtude da universidade. Para que um professor seja mestre basta que este publique dissertações de mestrado e teses de doutorado sem que este resultado seja transformado em ação. Há uma preferência no pensar em detrimento do fazer.

Nesse último século a arte veio questionando o seu próprio sentido. A própria hierarquização e verticalização do ensino e da produção não faz mais sentido. O sujeito da ação é o próprio autor e este, a própria obra de arte. O termo ator torna-se assim insuficiente para agregar mais este pensamento.

O performer não realiza uma simples ação, mas acima de tudo ação performática é um acontecimento, uma façanha. Utilizando-se de sua estética, o performer age em seu próprio nome e como tal dirige a seu público suas idéias e reflexões.

A Companhianômala de Teatro surge na Universidade Federal do Rio de Janeiro como uma anomalia: o grupo formado inicialmente pela Anna Beatriz, aluna do curso de teoria, que se vinculou à pesquisa do professor Walder, docente deste departamento; foge a regra da instituição pública e da grade curricular. A pretensão da companhia é que não haja uma direção e sim uma orientação: na medida o trabalho do grupo é criar uma unidade de pesquisa estética onde todos devem se colocar em cena, não existe mais o personagem, mas sim o performer dono do seu trabalho, que se utiliza do jogo teatral para debater com a platéia.

Nesse caso, o conceito ilusionista de imitação do real, que se utiliza da cópia para contar uma história não interessa. O jogo com o acaso, o aqui e agora onde a cena se faz no instante em que acontece, é matéria fundamental à encenação. O ator não se identifica com o personagem a fim de imitá-lo, mas se utiliza dele para questionar o próprio conceito ilusionista.

O resgate do ritual da encenação teatral é ponto fundamental de pesquisa da companhianômala. Porém a diferença entre os oficiantes – atores/performers – e o público é tênue: a platéia é convidada a também se colocar em cena estabelecendo uma reflexão critica e intelectual na leitura e “deciframento dos signos, a uma reconstituição da fábula e uma comparação de uma realidade representada e de seu próprio universo”¹, na medida em que as imagens criadas procuram estabelecer menos a compreensão lógica do acontecimento do que atingir o inconsciente do espectador.

Segundo Freud, “as imagens constituem (...) um meio muito imperfeito de tornar o pensamento consciente, e pode-se dizer que o pensamento visual se aproxima mais dos processos inconscientes que o pensamento verbal e é mais antigo que este, tanto do ponto de vista filogênico quanto ontogênico”.²

Diz o critico Antônio Candido que a superação do atraso intelectual criado pelo hábito de copiar redutoramente os clássicos seria alcançada somente quando fôssemos capazes de gerar obras de primeira ordem a partir de exemplos nacionais anteriores³. Por isso a escolha da companhia em trabalhar textos que a crítica especializada considera a dramaturgia brasileira clássica, já que os mesmos não podem ser considerados cópias dos modelos europeus, pois falham justamente nesse sentido, criando assim um principio de uma temática nacional no âmbito literário e político.

A antropologia do trabalho surge aí não como cópia dos cânones europeus ou imitação do teatro brasileiro clássico, mas como consciência histórica como ponto de partida para a criação da encenação do grupo.

A partir do trabalho da concepção e da percepção da formação da literatura e do teatro brasileiro como entendimento da política, da cultura e da sociedade deste país, o performer estabelece um senso critico de sua função social e da abordagem artística que quer dar ao seu trabalho. Tendo acumulado esse estudo, não pode se tornar isento da encenação: a obra de arte, dentre outros fatores também reflete sua existência e sua personalidade.

BIBIOGRAFIA
¹ , ² - Dicionário de Teatro do Patrice Pavis.
³ - Literatura e Subdesenvolvimento, Antonio Cândido
- O entre lugar do discurso latino-americano, Silviano Santiago
- Reportagem "A universidade brasileira em xeque", textos de Almir de Freitas e Michel Laub, revista BRAVO!, sem referência da data de publicação.
- Projeto de encenação do espetáculo "Macário, às vezes a vida volta...", Anna Beatriz Gaglianone

2 comentários:

  1. As teorias são sempre cansativas qd desvinculadas da prática cotidiana. Porém...tudo a seu tempo....

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