segunda-feira, maio 02, 2005

"Sentia-se estranho pois havia mudado ao cair das chuvas de abril. Caminhando na praça onde alguns anos atrás brincava de espantar os pombos - os mesmos animais que provavelmente lhe transmitiram a toxoplasmose nos passeios noturnos - não sentia-se acolhido por aquele espaço. Era como se um belo dia acordasse e sua casa estivesse tomada por pessoas deconhecidas que empestiavam o ambiente. O pensamento abruptamente cortado pelo toque do celular rapidamente desligado. Era aniversário de um de seus melhores amigos. Já havia deixado de ir a outros dois aniversários de outros dois grandes amigos por motivos diversos e não queria faltar mais um. Mas também não queria que nada o interrompesse naquele momento.
Deixava "o acaso" definir por si. Também havia tempo quer abolira a palavra destino do seu vocabulário.
- Destino a gente faz. Esse destino "místico" não existe. Prefiro o simples acaso... - Falara uma vez à mesa de um bar.
Estava a preferir a solidão à companhias. Sabia que esta era uma fase do ciclo sem sentido - a priori - que é a vida. Mas também sabia que poderia não ser uma simples fase, e talvez um estado eterno de um sentimento, nomeado pelos românticos de spleen - lembrou que lera algo sobre no Álvares de Azevedo.
Caminhava e lembrava de quando passou por cima de si pela primeira vez: primeiro ano do antigo segundo grau, quando de garoto das orelhas de abano passou a um dos meninos mais atraentes do colégio, fato esse que iria modificar sua vida. Foi na mesma época que começou a ficar com muitas meninas e conheceu "o amor" nos lábios de uma menina de tez encantadora e de nome ainda mais, e com quem mantem contato até hoje, superado o trauma do rompimento.
- Ácido! - o definia a bela Charlote, que conhera a pouco tempo no trabalho - Gosto de ti!
Ao momento que os primeiros pingos de chuva marcavam-lhe os ocúlos e as lágrimas desciam timidamente embassando a vista por completo.
Limpava os óculos voltando pra casa. Sentou-se a frente do computador e pôs se a escrever algumas palavras que não teriam a menor importância pra ninguém, a não ser pra si.
Desligou o computador, encheu um taça de vinho desobedecendo a ordem médica, amarrou o fumo na seda vagabunda que arrumara no bar e pôs se a ler até o fim da noite..."

10 comentários:

  1. spleendido.

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    Nao pude ir quinta ver macário. motivo aniversário de meu pai. terá outra oportunidade. Na auzência de motivo estarei prezente.

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  2. :D

    Adoro seu blog!

    Não li o anticristo...mas se vc lembrou de Nietzsche ao ler meu texto, então eu me sinto honrada...hahahaha...beijos!

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  3. A pior ignorância consiste naqueles q se julgam sábios: o tédio é próprio aos q têm as contas pagas sem precisar de esforço para o pão nosso de cada dia.

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  4. Essa ai de cima é minha mãe, que se julga a dona da verdade.
    Minha cara, se vc, apesar d profª e escritora não sabe distinguir a limiar da realidade e da ficção, ótimo, é este o proposito do blog.

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  5. Estranho ver você através da tela do meu computador. Pois apesar de não ser a sua mãe e entender o tênue e infinito limite entre realidade e ficção, sei (ou suponho saber) o quanto há de você nessas linhas, como acontece sempre que se escreve, aliás. Confesso que não tinha entrado muitas vezes aqui. Tenho um preconceito burro em relação às relações virtuais. Achava que por aqui só se tratava de superficialidades (o que não me impede de ter msn, orkut... e ficar tratando de superficialidades). De repente, descubro um lugar onde se expõe para todo mundo (ou para ninguém) tudo o que se tem vontade de dizer. Assustador. Intrigante. Fiquei com vontade de entrar mais vezes, ler os textos antigos, pensei até em criar um blog para mim! Mas a idéia se foi rapidamente. Primeiro porque falta conhecimento técnico e vontade de adquirí-lo. Segundo porque não teria coragem de me expor assim. Pois escrever é se expor (nem que seja para você mesmo). Medo do olhar dos outros e, principalmente do meu próprio olhar...
    Não vou assinar. Prefiro deixar estas frases e idéias sem dono. Não por você, mas pelos milhões de internautas conectados nesse momento. Não quero que esse texto me pertença.

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  6. Estranho... O que se passa na sua mente obscura quando, ao calor de um momento, fecha-se em si e penetra num mundo interior? Suas palavras são um tanto "duras". Não seria o motivo pelo qual... Não sei...
    A ficção? Sim, vejo-a. Mas também vejo você entregue, inteiro, entre essas palavras...
    Se cuida.

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  7. Reli o que escrevi ontem e já não concordo com grande parte do que disse. Mais uma vantagem do blog,você não corre o risco de achar tudo uma grandíssissima besteira, rasgar, jogar fora, se arrepender profundamente, ter um ímpeto de esperança e desistir definitivamente ao olhar o monte de lixo que ia ter que se revirado. Fiquei pensando que, na verdade, ao escrever estamos é tirando o olhar de nós mesmos. Quanto mais auto-centrado,pior. Tenho a impressão que só falamos coisas que valem a pena, seja pra quem ou por que for, quando não estamos preocupados em dizê-las. Quando o desejo de escrever vem e isso é o suficiente. Mas vou controlar meu desejo pois estou usando o espaço do seu blog pras minhas reflexões, que só interessam a mim mesma. Última discordância: eu tenho que criar um blog!

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  8. é verdade que há de mim nessas linhas. Mesmo que eu escreve uma receita de bolo, há um muito de mim em tudo que faço, em tudo que fazemos, assim como há um tanto de você nas suas reflexões, e melhor ainda quando elas não são estagnadas e se renovam, e quando você vem aqui para completa-las ou discorda-las. Afinal, o que é o mundo se nao incertezas?
    Sempre que vem um impeto de escrever, e depois de postar, faço. Adoro poder discutir, mais do que postar, o conteúdo desses ensaios. Ensaios, sem maiores preocupações.
    Não reprima seus desejos.
    Não reprima sua libido.

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  9. A verdade não tem donos ou donas: mas todos temos a nossa própria verdade. O mais difícil é poder trocar opiniões e respeitar diferenças. Ouvir o outro é muito importante, mesmo qd discordamos completamente do q ele fala.

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