segunda-feira, fevereiro 28, 2005

AONDE MEUS DESEJOS ME LEVARIAM e/ou
A SEGUNDA VEZ QUE SEGUREI UMA ARMA...

Raoni Pererê

Ao subir a Marques de São Vicente comecei a perceber onde meus desejos estavam me levando.
Depois de muito insistir, Black Sun enfim me levava à um baile na sua comunidade. Apesar de morar em uma casinha escondida no final do Leblon, a origem de sua família estava ligada fortemente àquele morro:
- Essa é a minha área, leque! Qualquer problema que você tiver por aqui, fala comigo!
Eu não levava essa sentença a sério, pois já havia perdido um carregador de celular em sua casa, ao que ele me respondeu com a mesma autoridade:
- "Seu" não achar, não me chamo João!
Não achou: apelidou-se de Black Sun.

Quando entramos na sauna de fumaça e suor eu já estava com as pernas dormentes e revisei meus pensamentos para achar o motivo que me impulsionou a estar lá. Lembrei do livro do Roberto Moura sobre o inicio da formação da sociedade brasileira, quando os próprios negros africanos, em guerra entre si (até hoje), vendiam seus prisioneiros aos mercadores que os traziam para trabalhar sob o comando dos colonizadores. Essa lembrança se misturava na minha cabeça com um som insuportavelmente alto e letras cultuando o sexo, as drogas e apelido de pessoas que eu não conhecia, mas eram idolatrados como heróis. Ali, naquele espaço, posso ver a minha volta Lúcifer, Pomba-giras, Exus, Xangôs... Um grupo desses heróis, negros altos e de olhos rubro nos cerca tão rapidamente que só vejo as armas quando uma já está nas minhas mãos:
- Parceiro do Black é nosso parceiro!

Um dia, no carnaval, fui à uma festa na praça Saens Peña e perguntei ao vendedor de cervejas, para “puxar assunto”, sobre as mulheres que dançavam ao som de um pagode:
- Nem olha... - respondeu quase que me ignorando - é tudo Maria Fuzil...

Foi caminhando ali que compreendi exatamente o que aquele mulato queria dizer... Caminhava sobre os olhares de respeito dos homens e desejo das mulheres. Desejo de posse. Sem a arma nas mãos, não era ninguém. No fim do rolé, devolvi o brinquedo.

Fitei a pacata zona sul carioca antes de descer.. Via a casa de um amigo e o apartamento de uma ex-namorada, mas não conseguia distinguir onde terminava a favela e começavam os prédios. Por um segundo quis destruir tudo. A zona sul, os dançantes... No meio deste pensamento, um baseado maior que minha mão é oferecido com serena autoridade por olhos rubro. Recusei.

Descemos de táxi, o Black tava chapado e não queria pegar um ônibus. Não falei nada até chegarmos ao Baixo, onde agradeci o passeio e fui pra casa.

Tantos pensamentos que invadiram a minha cabeça no percurso de quarenta minutos até minha casa. Tantas imagens que corri para o banho para misturar me ao suor enquanto eu escorria pelo ralo. Não consegui dormir cedo como de costume.
Acabei por fumar minha última ponta...

5 comentários:

  1. É...eu repito a pergunta do colega acima, ainda que tenha as minhas teorias à respeito desse texto. Realidade ou ficção, o fato é que vc consegue carregar o leitor contigo nessa tua viagem maluca pela terra da "fumaça e suor". Bjo.

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  2. aki vai o comentário do oficial..Raoni, eu fico admirado com tanta sabedoria vc realmente sabe o que acontece nas paradas, c sabe q no morro vc não é ninguém sem uma maldita arma na mão, fiquei muito feliz qd vc botou q "quem é amigo do black é nosso amigo também", pode ter certeza que o que acontecer com vc no morro (vc sabe qual q eu to falando) vc pode contar comigo.......me amarro muito em você e espero que a nossa amizade nunca termine, sei q posso contar com vc, lembra aquele dia q eu não parava de chorar por causa do meu primo la no villa lobos, então, graças a vc eu fiz a peça tranquilo, mt mt obrigado vc eh amigo de verdade..BLACK SUN

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  3. essa vai pro parceiro REMO..realidade pura amigo..BLACK SUN

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  4. "agarraram o louro na descida da ladeira, malandro da baixada em terra extrangeira"

    ja dizia aquele grupo.

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  5. Só posso comentar q a realidade é mais cruel do q a ficção e q nem todos os riscos precisam ser vivenciados: somos as escolhas q fazemos. E escolhas podem ser irreversíveis e determinarem os caminhos q iremos percorrer.

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